Cumpade Zé de Rosa viveu muitas secas. Nasceu na seca, viveu na seca, mas a pior de todas foi a de agora. Nas outras faltava chuva pras plantações, até pasto para o gado rareava, mas os açudes permaneciam com água suficiente para encher o bucho das pessoas. Agora não, secou tudo, nem lama restou. Os grandes açudes evaporaram, os riachos foram consumidos, faltou água para beber, pra tomar banho nem se fala. E o mais grave: fugir pra São Paulo não se pode mais, porque a água de São Paulo também desapareceu. Castigo do céu, só pode ser, acredita meu cumpade Zé de Rosa. O mundo está cheio de incréus, os governantes são incréus, os deputados são incréus, os senadores são incréus, todo mundo abandonou a fé em Deus para viver nessa perdição da incredulidade. Zé de Rosa lembra o que seu pai, Luiz Mofeta, dizia depois dos homéricos porres na bodega de Diolindo: - Essa tabaca vai se acabar com fogo”. E só faltam as labaredas. O calor é de fogo, fogo aceso, fogo que derrete tudo, até ferro. E recorda um fato ainda latente na memória do povo daquele tempo, daquele povo crente nos castigos de Deus: -O mundo se acabou com água, agora vai se acabar com fogo.” Os sinais estão aí. Primeiro acabou a água. Ninguém morre afogado, mas não tem água para apagar o fogo. O sol desce a cada dia para mais perto, torrando o que encontra pela frente. A língua ressecada e rachada, só permite ao dono dela grunir como cachorro vira lata. Dia virá em que os anjos incendiários descerão dos quatro cantos do céu soprando cornetas de fogo, incendiando o mundo e transformando a terra num imenso churrasco. Zé de Rosa quer morrer antes para não ver a desgraceira. Não quer servir de testemunha, tampouco intenciona comer carne de gente assada nas labaredas do castigo. E enquanto o fogo não desce, sobra aperreio e roubalheira. Roubaram o dinheiro da transposição. Até isso aconteceu. A obra que iria acabar com a sede no Nordeste empacou porque roubaram a verba. Sodoma e Gomorra perto disso aqui é um paraíso de anjos. Os anjos que nos restaram são os anjos decaídos do inferno. Anjos gatunos, anjos ladrões, anjos sem pudor e sem vergonha. Cumpade Zé de Rosa tem razão. Ele que nasceu e viveu na seca, jamais conheceu seca como essa. Seca de água e de caráter. Por isso a sua crença no fim do mundo pelas chamas do castigo. Crença que começa a contagiar mais do que a Zica do mosquito. O Wall!!
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